segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Resenha do filme "Pantera Negra"

     O novo filme do Pantera Negra, o 18º do universo cinematográfico Marvel, vem causando furor entre os negros mundo afora. E o principal motivo é...a beleza do ator Michael B. Jordan, acredite se quiser. Ao que parece, os aspectos filosóficos do filme foram completamente ignorados pela militância negra, ainda que justifiquem tal comportamento com o velho cliché da "representatividade negra", que na verdade não representa muita gente, já que quase todos os negros mortais da atualidade nem sequer chegam perto dos corpos perfeitamente malhados e retocados de seus supostos representantes nas mídias, tal como a imensa maioria dos brancos para com seus modelos, o que não deixa de ser surpresa, já que ser fisicamente perfeito é simplesmente impossível num mundo de imperfeições como o nosso. Fica a questão: o cliché da "representatividade negra", longe de ser algo original, não seria simplesmente a cópia fiel, o braço, só que negro, da ditadura da perfeição imposta pela mídia desde longo tempo a todos, visando capturar e e domesticar a exigência de visibilidade dos negros? Talvez o furor da militância em torno de Michael Jordan nem tenha se dado por isso, e sim simplesmente por falta do que falar ao mundo mesmo por parte da militância negra, dado o atual baixo nível intelectual que se vê por aí, com discussões rasas, quase beirando o ridículo, vai saber.
     Mas chega de papo. "Pantera Negra" já nasceu altamente louvado pela crítica especializada, e felizmente (porque nem todo filme excelente faz sucesso nas bilheterias) também foi um estouro com o público, nomeadamente o público negro. Pudera. Não é todo dia que vemos um super-herói negro feito por um grande estúdio nos E.U.A. À parte os aspectos técnicos fantásticos do filme, sua excelência reside mesmo nos aspectos filosóficos carregados nele.
     Em primeiro lugar, no relacionamento entre o mundo branco e o negro, surpreendentemente inovador no filme. Nele, ao contrário do que se vê em filmes alegadamente elogiosos aos negros, o negro nunca é mostrado em uma posição coadjuvante e o branco como o protagonista principal; ao contrário, é o negro quem dá as cartas. Já no início do filme, quando um dos capangas do Garra Sônica vai ao museu "roubar" uma machadinha feita com vibrânio, ele deita ao chão toda a suposta ciência e filosofia brancas de pelo menos 500 anos mostrando, sem qualquer cuspe para aliviar, toda a fragilidade dos argumentos científico-filosóficos utilizados por eles para roubarem não só a África, mas o restante do mundo. Pus "roubar" entre aspas porque, afinal de contas, quem era mais ladrão? a gangue do Garra Sônica, ou os povos europeus que o roubaram com violência inaudita de seu povo de origem? não dá pra saber, tampouco me arrisco a responder. O que sei é que a arrogância centenária, tão tipicamente hollywoodiana, de os brancos se acharem os guardiões da paz e da justiça em nosso mundo, torna-se pó em instantes, com a resposta deste capanga, não tão brilhante mas de um poder retórico poderosíssimo, que mais tarde se revelará um dos eixos principais do filme. 
     Em segundo lugar, não podemos deixar de notar a homenagem que o filme fez à cultura negra. Mas, ao contrário do que poderia se esperar, "cultura negra", aqui, fugiu do típico exclusivismo da cultura negra norte-americana. A homenagem deu-se em dois momentos: uma no laboratório em Wakanda, onde o som de fundo era (o choro dos moralistas é livre) um funk carioca! sim, um funk carioca tocando em Wakanda. Tive a impressão de ouvir choro e ranger de dentes, especialmente considerando que o público na sessão a qual fui era quase que exclusivamente de playboy branco, excetuando eu e um grande amigo que foi comigo obviamente, precisamente àqueles que tanto criticam o funk por ser de origem negra durante o dia ao mesmo tempo que rebolam a bunda nas baladas ao som dele à noite. O outro momento, mas não menos significativo, foi a hora da perseguição de T'Challa ao Garra Sônica, na qual o fundo sonoro dessa vez foi o kuduro, famosíssimo ritmo musical de origem angolana e sucesso absoluto pelo mundo, nomeadamente nas boates de Portugal. Perfeitas escolhas, principalmente considerando o preconceito forte contra os ritmos negros em países como o Brasil, da qual sem dúvida os criadores do filme estão cientes.
     Um outro momento de subversão foi na hora em, estando a família de T'Challa entre os jabari clamando por ajuda, o agente norte-americano, ao tentar falar em pé de igualdade com M'Baku, foi prontamente silenciado por ele e seus súditos, sendo ameaçado de ser canibalizado por eles. E, para constrangimento geral da plateia, naturalizada com a ideia de negros canibais após um século de cinema eurocêntrico a promovê-lo, M'Baku revelou estar apenas a brincar! Nessa eu tenho certeza absoluta de que vi imensas caras escandalizadas e constrangidas dos brancos ao nosso redor ao serem apanhados de calças curtas em uma armadilha tão ardilosa.....
     Mas a parte mais notável do filme, sem sombra de dúvida, foi o confronto entre T'Challa e Killmonger. Aos desatentos, aquilo lá foi um dos momentos mais memoráveis do filme: T'Challa representava Martin Luther King e sua visão integracionista entre "nós" e "eles", isto é, entre negros e brancos. A visão de que a violência apenas gera mais violência e nada resolve. Já Killmonger representava a visão de Malcom X, a visão radical, a visão de alguém criado em um gueto duríssimo, onde a opressão branca sobre os negros literalmente não conhece limites, e que, por isso, acredita que apenas a força pode trazer a libertação desta opressão. E é aí que entra a grande questão dentro do movimento negro: qual o caminho para a liberdade negra no mundo? a guerra total e sem piedade a todos os brancos, ou será o amor e a paz o caminho? o filme tem o cuidado de não demonizar nem um lado nem o outro, e este é mais um dos méritos dele. Dependendo do ponto de vista, ambos, T'Challa e Killmonger, têm razão, se considerarmos as suas respectivas biografias. No final, o diretor fez sua escolha, afinal de contas é um filme, e um filme necessita ter um final. Porém, fica no ar a reflexão: guerra ou paz? quem me conhece, sabe que discordo fortemente da ala radical do movimento negro que prega uma guerra aos brancos e o extermínio de todos eles (como se fosse possível) porque os negros africanos, sendo as mães de todos os seres humanos que habitam a terra (como bem lembrado por Killmonger, aliás) por isso mesmo sempre tiveram como característica o acolhimento de todas as outras raças, como uma verdadeira mãe sempre faz, jamais nutrindo pensamentos excludentes, separatistas ou mesmo genocidas para com ninguém, sendo tais características lá dos brancos europeus,não deÁfrica, como demonstrado fartamente na história. Imitá-los, longe de "ser africano", como sustentam inúmeros líderes negros de ontem e hoje, somente nos torna iguais aos que nos oprimem, e destroem a pouca noção de humanidade que milagrosamente o ser humano ainda conserva, apesar do racismo. Isso sim que "não é africano", e uma das mais belas filosofias criadas pela humanidade, o ubuntu, está aí para não me deixar mentir. Pensando bem, esta também é uma forte razão para o silêncio e o pouco aprofundamente nestas questões nas resenhas que vejo por aí da militância negra a respeito do mundo, afinal de contas, o radicalismo negro vem ganhando terreno a passos largos, em vista do vácuo político da linha moderada dentro do movimento negro, sem condições algumas de lutar após ter sido sugada até os ossos pelos partidos políticos brancos.
     Por fim, T'Challa, contrariando o costume até então, resolve fazer Wakanda sair do isolacionismo e compartilhar sua ciência e filosofia com o restante da humanidade. A voz do político a interrogar T'Challa, com a pergunta "Mas o que um país pobre como Wakanda tem a oferecer ao mundo?", certamente deve ter representado o grito indignado de milhares de brancos a assistir o filme, despeitados com o facto de não apenas um super-heroi, mas também um país altamente desenvolvido localizar-se no coração da África, comumente visto como o continente miserável por excelência.. Mas o sorriso irônico de T'Challa talvez não tenha sido a resposta perfeita para eles. Mas sem dúvida mostrou bem a altivez do povo negro, detentor de ciência, filosofia e tecnologia altamente avançadas, os quais os brancos nem sequer suspeitam.

Eduardo Viveiros, filósofo.

quarta-feira, 18 de outubro de 2017


RESENHA DO LIVRO "A NOVA ERA E A REVOLUÇÃO CULTURAL: FRITJOF CAPRA E ANTÓNIO GRAMSCI"

     Como o título diz, este é mais típico livro de seu criador, Olavo de Carvalho, quero dizer: mais um livro a propagar suas típicas teorias da conspiração infundadas, nomeadamente contra os comunistas (ou quem ele acha que seja comunista, a rigor, qualquer um que não seja reacionário). Neste livro, o primeiro da trilogia, seguido por "O Jardim das Aflições" e "O Imbecil Coletivo", ele já revela a base das principais paranoias que sustenta sua "filosofia". No entanto, em um esforço para não parecer só mais um simples maluco paranoico como tantos outros da época, como Bruno Tolentino, Paulo Francis e outros, ele utiliza o recurso de começar escolhendo a esmo um famoso qualquer, no caso Fritjof Capra, e acusá-lo de qualquer coisa, ainda que sem pé nem cabeça, somente para introduzir o verdadeiro assunto em sua mente.
      Fritjof Capra, para quem não sabe, é um físico austríaco, famoso por seus livros "O Tao da Física" e "Ponto de Mutação", nas quais ele basicamente apresenta semelhanças entre a física ocidental (tradicional e quântica) e as filosofias orientais como budismo e taoísmo, em conceitos como o nada, o caos etc. baseado nisso, ele propõe a superação do modelo cartesiano, isto é, ter uma visão segmentada e repartida do todo em partes para analisá-lo melhor (divida o conhecimento humano em várias áreas como fisica e química e se especialize em algo ) e a adoção de um novo modelo, denominado holista, na qual será mais eficiente ter uma visão ampla sobre o todo e nem tanto em dividí-lo em partes (não tente separar rigidamente uma ciência da outra, tente entendê-las como coisas que se relacionam entre si, exemplo a físico-quimica que estudamos no ensino médio). É o que, em ciências, chamamos paradigmas.
      Olavo de Carvalho, obviamente sem entender bulhufas do que Capra propõe, por não ter estudado esses assuntos, pois evadiu-se da escola no ensino fundamental, chama capra de "profeta" porque, alega ele, "O sr. Capra, como se vê, pouco entende dos assuntos em que exerce, para um público multitudinário, uma autoridade profética. Ele prima pela carência de informação elementar sobre a cosmologia chinesa, na qual diz basear sua visão da história cultural, bem como sobre a história cultural mesma, que ele procura, mediante generalizações grosseiras, e escandalosas alterações da cronologia, encaixar à força num modelo preconcebido. Não questiono, aqui, a validade da proposta holística em geral. Reservo-me o direito de fazê-lo num outro trabalho. Apenas creio que ela deve ter defensores um pouco mais qualificados do que o sr. Capra." (pg. 20). E é isso: a refutação é basicamente uma falácia ad hominem contra Fritjof Capra, nem chega a triscar no essencial das ideias dele. Argumentação tipicamente olaviana.
      Mas o pobre Capra era apenas uma isca. O verdadeiro conteúdo, o que de fato ele queria vender (literalmente) era o assim chamado "grasmcismo". Ideia diretamente importada da extrema-direita norte-americana, provavelmente do macartismo dos anos 40 e 50, o "gramscismo", na versão tupiniquim adaptada por Olavo, seria um sinistro plano "esquerdista" de infiltração em várias áreas consideradas estratégicas, como na educação e TV. Nas palavras do dito cujo: "Gramsci exige que toda atividade cultural e científica se reduza à mera propaganda política (marxista), mais ou menos disfarçada." (pg 28). Trocando em miudos: haveria um plano sigiloso, da "esquerda", da qual ninguém saberia, exceto ele, claro, o cara mais inteligente da face da terra, de acordo com seus discípulos, cujo objetivo seria fazer "uma gigantesca operação de lavagem cerebral, que deve apagar da mentalidade popular, e sobretudo do fundo inconsciente do senso comum, toda a herança moral e cultural da humanidade, para substituí-la por princípios radicalmente novos, fundados no primado da revolução e no que Gramsci denomina "historicismo absoluto" (pg 27). Todos nós estaríamos sendo "doutrinados" com o "esquerdismo" (ele jamais define o que é o "esquerdismo" mas, analisando seus outros livros, dá pra dizer que, pra ele, significa qualquer coisa que ameace a conservação do status quo racista, machista, xenófobo, misógino etc da sociedade, por isso ele é conservador, aquele que quer conservar este status quo de qualquer maneira pois o racismo​, o machismo, a xenofobia, a misoginia etc o beneficia), passando por uma lavagem cerebral feita pelos "esquerdistas", de forma sutil, a fim de irmos aceitando horríveis princípios "esquerdistas" como mulher ser tratada igual ao homem, o negro ser tratado com o mesmo respeito com que se tratam os brancos, o gay ter o mesmo direito de se casar no civil como os héteros etc. Não é à toa que ele é o guru intelectual da playboyzada racista, machista, misógina e paranóica que temos: ele fala exatamente aquilo que eles querem ouvir, sem essa de fazer refletir como a intelectualidade brasileira vive tentando fazer, aliás, alvo predileto de ataques dele.
      Não há muito mais o que falar desse livro: sim, o livro é uma porcaria mesmo. Se você for do tipo que curte teorias da conspiração como "pepsi é feita de fetos abortados", vá em frente, este é seu livro. Senão, não desperdice seus preciosos neurônios com ele. Vá ver estrelas ao invés disso.

RESENHA DO LIVRO "O IMBECIL COLETIVO", DE OLAVO DE CARVALHO

      O livro "o imbecil coletivo", do assim chamado "filósofo" Olavo de Carvalho, é um daqueles livros que falam nada com coisa alguma. Tudo que ele lhe entrega são duas mãos cheias de nada. Ele não é um texto propriamente filosófico; é apenas uma coletânea de artigos jornalísticos sobre coisas da ordem do dia da década de 90, alguns publicados por jornais muy amigos da linha de pensamento dele, como o Jornal do Brasil, outros tão sem noção que até mesmos estes jornais recusaram publicá-los, e outros que muito provavelmente o autor nem deve ter pensado em publicar, pois sabia que nem os parceiros mais íntimos dele, geralmente gente poderosa lá dentro, o aceitariam.
a linha geral do livro é bastante nítida: atacar o que ele chama de "imbecil coletivo", nas palavras do autor: "O imbecil coletivo não é, de fato, a mera soma de um certo número de imbecis individuais. É, ao contrário, uma coletividade de pessoas de inteligência normal ou mesmo superior que se reúnem movidas pelo desejo comum de imbecilizar-se umas às outras." (pg. 44). Traduzindo: os intelectuais deste país, de preferência os que trabalham em universidades. Na definição elástica dele, entra tanto Gerd Bornheim quanto Caetano Veloso. Para ele, os intelectuais brasileiros são todos um bando de imbecis que imbecilizam a todos. E, para o autor, isso acontece porque, durante a ditadura militar, supostamente a esquerda (ou o que ele chama de esquerda) teria dominado as escolas e universidades brasileiras, assim mesmo, numa boa, com toda a liberdade do mundo pra fazer o que quiser (repito, DURANTE A DITADURA, ele parece não notar, ou não querer notar, a contradição) e, através do comunismo (porque pra ele toda a esquerda é comunista) teria implantado na surdina, no melhor estilo teoria da conspiração, seus princípios esquerdistas, de maneira que o que ele chama de stablishment seria o responsável por emburrecer a si mesmo e aos outros. O autor traça um paralelo direto entre ideias "esquerdistas" e burrice. Ele chamará esta conspiração imaginária de "marxismo cultural" em outros livros, cuja raiz ele buscará na extrema-direita norte-americana (Ku Klux Klan e similares), que por sua vez vai pegar o conceito dos nazistas, que o chamavam "bolshevismo cultural", apenas mudando o primeiro nome pra não ficar tão feio.
      Esse é o tom geral do livro, como você pode imaginar, nada além de críticas infundadas, distorções grosseiras do pensamento de alguns alvos selecionados, como Leandro Konder e Marilena Chauí, tudo para ganhar ibope, promoção de teorias da conspiração infundadas como essa história de esquerda dominando universidades durante a ditadura, tudo regado a muita falácia, perfeito para enganar incaultos sem senso crítico suficiente para analisar os caminhos tortuosos de seu pensamento, o que é a descrição perfeita da playboyzada brasileira, fãs de carteirinha dele, e é por isso mesmo que ele faz tanto sucesso entre eles. No entanto, é possível tirar algum leite de pedra disso ai.
      No livro é fácil notar a base do pensamento conservador dele: ele crê em "valores permanentes", e que os intelectuais deveriam dar ao povo a cultura que, diferente da popular, ele chama de "cultura superior" (pg 155). Em outras palavras, ele não apenas acha que os valores sociais não mudam, portanto a sociedade também não muda, indo contra tudo que as ciências sociais vem estudando desde pelo menos o século XIX, como considera que a cultura não é criada pelo povo, e sim dada, ou seja: o povo nada mais é que um bando de idiotas sem cultura, já que esta só pode ser criada por homens superiores, coisa que apenas alguns iluminados, obviamente por uma "estranha" coincidência formada exclusivamente por homens, europeus e brancos e ocidentais, poderiam fazer (seja lá o que "ocidental" queira dizer, termo que, aliás, ele citará algumas vezes no livro como algo óbvio, pelo menos para pessoas inteligentes como ele, mesmo que, para as ciências sociais, o termo "ocidente", assim como seu par, "oriente", não tenha nada a ver com culturas "superiores" ou "inferiores" ). Nesse ponto, de fato, ele é fiel ao conservadorismo de Edmund Burke e restante chusma.
      Uma outra coisinha digna de menção, na verdade uma contradição: ele alega que uma nossos intelectuais vão a reboque do que ele chama de "modas" europeias e norte-americanas (como o pragmatismo de Richard Roty) pois, segundo ele, não deveríamos buscar aprovação da parte deles, no entanto, ele cita Mário Ferreira dos Santos como um dos principais filósofos do país, porque foi reconhecido por uma enciclopédia italiana (ele não cita o nome). Vai entender....
      O ataque dele é geral, e obviamente repetindo os mesmos argumentos infundados usados pela direita brasileira e norte-americana há anos. Um exemplo pode ser dado quando ele fala dos homossexuais, nas quais ele, utilizando de uma porção de falácias das mais descaradas, alega (pg 234 e seguintes) coisas como "O preconceito mesmo, por irracional e fanático que seja, não é discriminação, desde que não se expresse em atos agressivos". Ou seja, você tem todo o direito do mundo de excluir, xingar, insultar, só não pode agredir. Jênio.
      Outra minoria que não escapa somos nós, os negros. As coisinhas de sempre: racismo reverso: "Alguns demagogos e intelectuais de miolo mole acreditam que se deve conceder aos negros o direito a uma espécie de discriminação compensatória - um tipo de discriminação que, por artes lógicas misteriosas, fica isento da pecha de racista" (pg. 95), etnocentrismo europeu ("Mas, se isso implicar a aceitação do primado da cultura afro sobre a europeia, judaica e cristã na educação nacional - ou mesmo o seu nivelamento com elas [...] a verdade é que a contribuiçao cultural das religiões africanas ao mundo é perfeitamente dispensável") (pg. 92), e uma novidade: "já na década de 30 o Comintern instruía os militantes comunistas para que se aproximassem dos movimentos de minorias raciais e neles infiltrassem o discurso da luta de classes - programa que entre nós foi cumprido à risca pelo Dr. Florestan Fernandes, nisto consistindo o essencial de sua contribuição científica"), ou seja, o movimento negro foi invenção dos comunistas, não fruto da luta dos ancestrais, somos todos um bando de massa de manobra. E não poucos os militantes negros que creem nas ideias deste sujeito, isso que é preocupante.
      Mas a cereja do bolo está nas páginas 122 e seguintes: as causas da violência no Brasil nada tem a ver com razões históricas como a escravidão, o racismo, a desigualdade social. São apenas produto do enaltecimento do bandido pela nossa literatura, com autores como Nelson Rodrigues, Chico Buarque, Carlos Diegues etc. Ou seja, a violência existe por causa deles, e só por eles que o criaram e estimularam.O que ele não explica é porque antes desses autores "estimularem" a violência, a violência já existia, e de forma até maior do que hoje, desde o período colonial.
      O livro "O Imbecil Coletivo", portanto, é um daqueles livros cujo propósito do autor original era só tirar uns trocados, mais nada, muito embora seja bem estranho que, anteriormente sendo um simples astrólogo, do nada o autor tenha sido alçado à condição de mentor intelectual da direita brasileira e até cristã, sendo promovido por alguns dos maiores jornais e TVs do país, tudo isso em poucos anos. Haverá algo por trás dessa repentina transformação? Não sabemos. O que sei é que lerei mais dois livros dele, "A Nova Era e a Revolução Cultural", e "O Jardim das Aflições". Mesmo sendo um desperdício de neurônios, no atual cenário de fanatismo religioso e anti-intelectualismo promovido por ele e seus discípulos, que ganham cada vez mais terreno na política, é de fundamental importância conhecer mais o guru destes caras.

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Os Banidos da Vida

Um pequeno panfleto que fiz, chamado "Banidos da Vida", em que falo um pouco sobre o que chamam "complexo de vira-latas":

Os Banidos da Vida

domingo, 15 de janeiro de 2017

A última fronteira do panafricanismo

    O panafricanismo foi uma ideologia criada no século XIX e XX, e grandes figuras pretas contribuíram para seu desenvolvimento, como W.E.B. DuBois e Marcus Garvey. Um dos objetivos era a libertação física de África do domínio colonial europeu (Nessa época, todo o continente estava submetido às potências europeias, exceto Libéria e Etiópia). Nos anos 60 e 0, o mundo testemunhou a erosão do antigo colonialismo, derrotado povos nativos africanos, seja pela viação da negociação pacífica, como Gâmbia, seja pela força das armas, como no caso das colônias portuguesas. Entretanto, engana-se quem pensa que este objetivo foi concluído nessa época. Há muitas partes de África que ainda sofrem opressão física da Europa. Pior que isso: sua população nem sequer vive mais em sua terra natal, porque foram todos deportados à força de lá. Refiro-me ao exílio forçado dos habitantes das ilhas Chagos, no Oceano índico, conhecidos como chagossianos. 
    Já ouviu falar sobre eles? eu também não, sempre pensei que fosse um arquipélago desabitado no meio do oceano. Mas, sempre que eu via aqueles pontinhos no mapa-múndi, que era minha maior diversão quando criança, eu estranhava que, de todas os arquipéĺagos daquele local da terra, o único que parecia desabitado era ele. Como se eu já pressentisse que havia qualquer coisa mal-explicada ali. Bom, então vamos aos fatos:
    Em 1793, a ilha de Diego García, uma das ilhas principais do arquipélago, começou a ser povoado por colonizadores franceses e, como todo bom colonizador, compraram africanos sequestrados de Moçambique, Madagascar, Maurício e outros países africanos como escravos, para fazerem todo o trabalho por eles. Após 1814, o arquipélago foi cedido ao Reino Unido. Após o fim da escravidão, estes escravos tornaram-se livres, e continuaram a habitar o arquipélago desde então.
    Então, em 1966, o governo britânico assinou um acordo com os E.U.A., permitindo a ele o uso destas ilhas como base militar, no contexto da famigerada Guerra Fria,. Como parte do acordo, o governo britânico se responsabilizou pela expulsão dos "tarzans", como Denis Greenhill, barão wright de Richmond, referiu-se aos nativos. E assim o fez, através de extremo terrorismo e pressão psicológica sobre os habitantes para que saíssem por todos os meios (método utilizado ainda hoje, por exemplo, sobre os habitantes da ilha de Fernando de Noronha, que sofrem continua pressão do governo brasileiro para saírem do arquipélago). Isso incluia a matança de todos os cães e gatos das ilhas e o desabastecimento premeditado de todas as lojas de comida da ilha, e ameaças de morte. Por fim, todos os chagossianos acabaram sendo deportados definitivamente das ilhas, deixando-as desabitadas. Alguns foram para as ilhas Maurício, outros para as Seycheles, hoje países independentes, onde vivem como cidadãos de segunda classe.
    Entretanto, os chagossianos, mesmo diante de tal situação, nunca desistiram, e continuam ainda hoje a reclamar o direito de retorno à sua terra natal. Esta resistência obteve alguns frutos: em 2006, o governo britânico permitiu uma visita de cerca de 100 chagossianos para a ilha, pela primeira vez em 30 anos. Ele também teve que enfrentar uma batalha legal contra os chagossianos, tendo respectivas derrotas, até 2010, quando o governo britânico, em uma manobra para impedir o retorno dos chagossianos, de acordo com documentos revelados pelo Wikileaks, transformou o arquipélago em área de proteção ambiental. Então, em 2013, a justiça reverteu a decisão anteriormente favorável aos chagossianos, alegando que esta manobra era concorde com as leis comunitárias da União Europeia. O golpe final veio em 2016, quando o Foreign Office, espécie de secretaria para assuntos estrangeiros, negou o direito de retorno aos chagossianos, muitos dos quais já velhos e morrendo, negando-lhes o último desejo de ver novamente sua terra natal. 
     Como se vê, o panafricanismo não perdeu seu sentido de ser nos anos 60 e 70, décadas em que a maioria dos países africanos conquistaram suas independências. A luta pelo fim da opressão colonial europeia em África ainda está viva, especialmente nas mentes dos deportados e seus descendentes ao redor do mundo que, assim como nós, pretos da América, desejam ter o direto de rever a terra de seus ancestrais livre de todo e qualquer domínio colonial e racista europeu.

               https://en.wikipedia.org/wiki/Chagossians
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terça-feira, 5 de janeiro de 2016

O ANTICRISTO DE NIETZSCHE 

      O livro "O Anticristo" de Friedrich Nietzsche é um daqueles livros que, mesmo após 100 anos de sua publicação, continua tendo poder para abalar o mundo, especialmente o ocidental, intacto como naquele tempo em que foi escrito. Os cristãos invariavelmente começam a ter ataques de nervos à simples menção do nome de seu autor, provavelmente o ser vivo mais odiado por eles em todos os tempos. Mas tudo isso tem sua razão de ser: de fato, "O Anticristo" é um dos poucos livros, senão talvez o único, que põe a nu e descoberto todo o sagrado edifício de mentiras na qual as religiões de forma geral, e particularmente o cristianismo, foram erguidas. Mas, antes de falar sobre o livro, é preciso esclarecer uma coisa: qual foi a tradução que você leu? eu li a da editora escala e, se for o seu caso, a introdução do tradutor deve ser ignorada, porque é de uma carolice revoltante, de alguém que escreveu movido sob a influência de seus sentimentos religiosos "ultrajados" (está em parêntesis porque logo darei um sentido a esta palavra), isto é, de alguém pouco profissional incapaz de separar seus sentimentos pessoais com estudos filosóficos.
      Disse a filósofa Scarlet Marton, a maior especialista em Nietzsche no Brasil, no programa "A Hora da Coruja", dirigido pelo filósofo Paulo Ghiraldelli (https://www.youtube.com/watch?v=V8SvTlEAUuY), que não é possível de facto saber se Nietzsche era mesmo ateu ou não. E quem leu este livro realmente fica com esta impressão: ele chega mesmo a contar Jesus como um "espírito livre", isto é, como muito próximo dos "aristocratas", dos "fortes" ("Usando de certa tolerância no uso das palavras, se poderia chamar Jesus um ''espírito livre'", p. 64). Por isso mesmo, e aqui está a origem do ódio implacável movido pelos cristãos a ele, ele faz questão de traçar uma linha contrastante entre Jesus e seus discípulos, isto é, os cristãos, tudo que veio depois dele e se apropriou, ou melhor, destruiu seu "legado". Para Nietzsche, Jesus nunca quis fundar religião alguma, ter pretensões políticas, salvar o mundo ou qualquer coisa remotamente parecida com isso. O que ele realmente fez foi VIVER COM OUTRO AGIR, diferente do agir judaico até então predominante, isto é, "não tinha mais necessidade de fórmulas, de rito para suas relações com Deus, nem sequer da oração....[...] não é uma "fé" que distingue o cristão: o cristão age, ele se distingue por outro agir" (p. 65). É nesse sentido que se deve compreender mais na frente a famosa frase de Nietzsche: "No fundo existiu um só cristão, e ele morreu na cruz" (p. 74). Jesus foi a única pessoa que, de fato, viveu com este agir "cristão", uma outra forma de fazer as coisas: "por exemplo, não oferece resistência àquele que é mau para com ele, nem em palavras nem em seu coração" (p.65), isto é, precisamente o oposto das práticas correntes daquele tempo. O agir de Jesus não era algo exterior, era sobretudo interior, uma atitude interior, e por isso Nietzsche tem em grande conta este personagem, pois, diferente dos cristãos, seres fracos e débeis, ele não agia assim forçado por um poder sobrenatural coator que o castigaria caso fizesse diferente, mas por livre e espontânea vontade, e esta é a grande diferença entre um forte e um fraco.
Mas tudo mudou com a morte de Jesus na cruz: o sentimento de desalento e ofensa que seus "discípulos" experimentaram, a suspeita de que essa morte poderia constituir a refutação de sua causa (p. 76) fizeram com que os discípulos procurassem uma causa para este acontecimento. E a causa, o inimigo identificado só poderia ser o judaísmo, e Jesus daí em diante foi entendido como um rebelde contra a ordem. É a partir daqui que a coisa degringolou. "O Deus único e o FIlho único de Deus: ambos produtos do ressentimento" (p. 77). Doravante, a morte de Jesus passaria a ser entendia como um sacrifício humano expiatório. E mais tarde, com o surgimento do rabino Paulo, foi finalmente inaugurada a igreja cristã tal como é hoje, um ajuntamento de ressentidos, negadores da vida e fracotes incapazes de qualquer coisa em virtude de maltratarem a própria vida em seus corpos e mentes toruturados psicológica e fisicamente.
      Basicamente, este é o conteúdo de "O Anticristo". Compreende-se o suor frio saído das hostes cristãs contra Nietzsche, aquele que dilacerou completamente todas as mentiras teológicas feitas durante 2000 anos para justificar o extermínio da vida em toda parte por onde o cristianismo chegou e se consolidou.. E, de fato, não é preciso ir muito longe para verificar isto, basta lembrar como as culturas africanas e indigenas de nossos antepassados americanos, que possuíam uma moral muito mais afirmadora da vida do que a cristã. foram duramente reprimidas durante mais de 500 anos e até os dias atuais continuam assim. Entretanto, é bom lembrar que o cristianismo criticado por Nietzsche era o de seu tempo, isto é, um cristianismo extremamente moralista e repressor, comtemporâneo da era vitoriana. Hoje, no século XXI em que vivemos, o cristianismo está bastante diferente deste cristianismo de um século atrás, pois foi forçado pelo que os teólogos erroneamente chamam de "modernismo" (por esse nome entendem todas as filosofias modernas, desde o liberalismo até o comunismo, como se todas fossem iguais para serem metidas no mesmo balaio de gato, atitude típica de fanáticos religiosos...) a deixarem para trás pelo menos seus aspectos mais sombrios. Um exemplo que me vem à mente dessa mudança da igreja é a teologia da libertação, que rompeu em grande medida com a tradicional aliança entre igreja e classe dominante, se aproximando muito mais dos pobres do que a igreja católica jamais sonhou em sua vida. A igreja anglicana inglesa há tempos permite a ordenação de mulheres ou mesmo o casamento homossexual em algumas vertentes, a renovação carismática, na igreja católica, e o neopentecostalismo, nas igreja evangélicas, praticamente desprovidas de qualquer apelo moral mais sério pois privilegiam antes de mais nada o aspecto material da vida, como bens materiais para seus fieis (muito nietzscheano, por sinal), entre outros exemplos. Entretanto, mesmo com esse "desaperto de cinto" da rígida moral cristã, elaborada durante milênios para matar qualquer indício de vida, não podemos nos enganar: ela continua extremamente repressora da vida, especialmente na maior igreja cristã da atualidade, a igreja católica, que ainda se apoia em argumentos patéticos para reprimir o mais possível o sexo, por exemplo. Nunca devemos esquecer disso, e precisamente por isso é que Nietzsche continua tão atual no mundo de hoje, e também tão odiado pelo fanatismo religioso cristão, e ainda viverá durante muito, muito tempo.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

"Desde os primórdios, a concepção europeia do novo continente teve duas facetas, completamente opostas: por um lado, a terra era vista quase sempre como um éden; por outro, o homem aparecia demonizado. " Aqui está a origem do ufanismo e patriotismo fajuto de nossa elite, sempre a exaltar as belezas naturais do país (Brasil, ame-o ou deixe-o, ninguém segura esse país, Deus é brasileiro, terra abençoada por Deus...), ao mesmo tempo que despreza e odeia a população desse mesmo país por ser descendente de "bárbaros" indígenas e negros (Esse país não tem jeito, eita povinho ruim, é só aqui que esse tipo de coisa acontece, o que estraga o Brasil é esse povinho que mora aqui...)

http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/um_paraiso_chamado_brasil.html
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