terça-feira, 20 de maio de 2014

"A vida das pessoas é tão-somente uma luta constante por essa existência mesma, com a certeza de ao fim serem derrotadas. O que as faz, por tanto tempo, travar essa luta árdua não é tanto amor à vida, mas sim temor à morte que, todavia, coloca-se inarredável no pano de fundo, e a cada instante ameaça entrar em cena. - A vida mesma é um mar cheio de escolhos e arrecifes, evitados pelo homem com grande precaução e cuidado, embora saiba que, por mais que seu empenho e arte o leve a se desviar com sucesso deles, ainda assim, a cada avanço, aproxima-se do total, inevitável, irremediável naufrágio, sim, até mesmo navega direto para ele, ou seja, para a MORTE. Este é o destino final da custosa viagem e, para ele, pior que todos os escolhos que evitou.
Ao mesmo tempo, contudo, é bastante digno de nota que, de um lado, os sofrimentos e aflições da vida podem ser facilmente aumentar em tal intensidade que a morte mesma, de cuja fuga toda a vida consiste, é desejável e o homem voluntariamente a abraça; de outro, por sua vez, tão logo a necessidade e o sofrimento deem algum descanso ao homem, de imediato o tédio se aproxima tanto que necessariamente ele precisa de passatempos. O que mantém todos os viventes ocupados e em movimento é o empenho pela existência. Quando esta lhes é assegurada, não sabem o que fazer com ela. Por conseguinte, a segunda coisa que os coloca em movimento é o empenho para se livrarem do lastro da existência, torná-la não sensível, "matar o tempo", isto é, escapar ao tédio. Daí vermos quase todos os homens, uma vez seguros contra a miséria e as preocupações e após terem finalmente se livrado de todos os outros lastros, se tornarem um peso para si mesmos e olharem cada hora morta como um ganho, portanto toda abreviação daquela vida cuja manutenção a mais longa possível tinha sido objeto de todos os seus esforços. De modo algum, o tédio é um mal a ser desprezado; por fim ele pinta verdadeiro desespero no rosto. Ele faz seres, que se amam tão pouco como os humanos, frequentes vezes procurarem-se uns aos outros, e torna-se assim a fonte da sociabilidade. Também em toda parte, por meio da prudência estatal, são implementadas medidas públicas contra o tédio, como contra outras calamidades universais; porque esse mal, tanto quanto seu extremo oposto, a fome, pode impulsionar o homem aos maiores excesso: o povo precisa panem et circenses. O rígido sistema penitenciário da Filadélfia torna, pela solidão e inatividade, o mero tédio um instrumento de punição: algo tão terrível que já levou detentos ao suicídio. Ora, assim como a necessidade é a praga do povo, o tédio é a praga do mundo abastado. Na vida civil o tédio é representado pelo domingo, e a necessidade pelos seis dias da semana."

Arthur Schopenhauer, O Mundo como Vontade e Representação.

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