terça-feira, 20 de maio de 2014

"Por conseguinte, Adimanto, é por demais baixo o número dos que podem lidar dignamente com a filosofia: talvez alguns nobres espíritos aprimorados por uma boa educação, isolados do mundo, que, afastados de quaisquer influências corruptoras, permanecem fiéis à sua natureza e vocação; ou alguma grande alma, nascida numa pequena cidade, que despreze os cargos públicos; talvez ainda algum raro e feliz caráter que abandone, para se entregar à filosofia, outra profissão que considere inferior. Outros, enfim, parecem contidos pelo mesmo freio que mantém preso à filosofia o nosso amigo Teages. Embora tudo conspire para afastá-lo da filosofia, as enfermidades que o incapacitam para a vida política o obrigam a filosofar. Quanto a mim, não convém que eu fale do meu demônio familiar e presságio que me adverte interiormente, pois é duvidoso que se possa encontrar outro exemplo no passado. Mas, entre este pequeno grupo, aqueles que se tomaram filósofos e provaram as delícias proporcionadas pela posse da sabedoria, convencidos da insensatez do restante dos homens, aqueles que sabem que não possuem aliados com quem possam contar para ir em socorro da justiça sem se perder, mas que, ao contrário, como um homem caído no meio de animais ferozes, recusando-se a participar das injustiças dos outros e incapaz de resistir sozinho a esses seres selvagens, pereceriam antes de ter servido a pátria e os amigos, inúteis a si mesmos e aos outros. Levados por essas reflexões, ficam inativos e ocupam-se dos seus negócios; semelhante ao viajante que, durante uma tempestade, enquanto o vento ergue turbilhões de pó e chuva, fica feliz se encontra um muro atrás do qual possa se abrigar, os filósofos, constatando que a injustiça reina impune por toda parte, sentem-se felizes em poder conservar-se em seu retiro isentos de injustiças e de ações ímpias e passar seus dias sorridentes e tranqüilos e com a consolação de uma bela esperança. "

A República, Platão.

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