terça-feira, 23 de setembro de 2014

    Um dos sintomas da forte hierarquização social da sociedade brasileira é o uso generalizado do "você": ele é uma corruptela do pronome de tratamento "Vossa Mercê". Quando o usamos, significa que estamos a considerar a pessoa como sendo, de alguma forma, superior a nós, seja em questão de idade, seja em questão de nível social, seja sob outra forma. Ainda hoje, em Portugal, tal pronome é usado nesse sentido apenas. Quando se é íntimo de alguém ou se quer soar como próximo, familiar, usa-se o "tu" que, para nós, só encontramos na linguagem bíblica ("Vós sois, Senhor, o Poderoso de Jacó"). Antes do branqueamento europeu do século XIX, a imensa maioria da população era composta por negros, escravos ou libertos. Para se referir a qualquer branco, rico ou não, senhor ou estranho, usavam o "vosmecê" (lembrem da novela Xica da Silva), depois "você". Nós, descendentes desses escravos, recebemos esse linguajar como herança de séculos de exploração de nossos antepassados, que se infiltrou inclusive na alta classe, destoando totalmente de Portugal. Mas, como essa hierarquização social já foi naturalizada, de modo que está diante de nossos olhos e não a vemos, ou melhor, a negamos, tendemos a achar natural referir-se a todos como "você". Mas ela está aí e é fácil de constatar porque sempre implica violência: na infância ("sou contra a lei da palmada, criança não tem querer, e se contestar tem que apanhar!"), na adolescência ("Aluno não tem que mandar em nada, o professor é quem manda e sabe tudo, aluno tem que ficar calado!"), na vida adulta ("aqui quem manda sou eu, o patrão, empregado não tem que dar pitaco em nada"), e por fim na velhice ("os aposentados são vagabundos", disse o FHC na presidência). Militarização da segurança pública, violência policial, oposição conservadora da playboyzada contra a ascensão social dos mais pobres, ao bolsa-família, ao prouni, ao mais médicos, recusa em dividir espaço no aeroporto, na universidade etc com eles, cassação da cidadania brasileira a quem recebe benefícios sociais, tudo isso são apenas sintomas dessa hierarquização, onde o rico sabe o seu lugar na sociedade, e é encima, e o pobre também, e é embaixo, e um não se mistura com o outro, exceto profissionalmente (relações patrão-empregado, cliente-empregado) entretanto desde o plano real tal hierarquização vem sendo solapada, e os ricos sentem seu terriótorio cada vez mais invadido pelos de baixo, até o ponto da esquizofrenia total, fácil de constatar na internet com teorias como o Brasil estando prestes a ser invadido e anexado por Cuba, os EUA pela Coreia do Norte, manifestações pedindo um golpe militar, o PT tramando um golpe comunista a qualquer momento, o MEC estando sob controle de uma sinistra conspiração judaico-comunista do clube de Bildeberg, cada professor de filosofia e história desse país ser um doutrinador disfarçado do comunismo/marximo, como a Viviane Mosé disse um dia desses na CBN etc.
contador de visitas