domingo, 15 de janeiro de 2017

A última fronteira do panafricanismo

    O panafricanismo foi uma ideologia criada no século XIX e XX, e grandes figuras pretas contribuíram para seu desenvolvimento, como W.E.B. DuBois e Marcus Garvey. Um dos objetivos era a libertação física de África do domínio colonial europeu (Nessa época, todo o continente estava submetido às potências europeias, exceto Libéria e Etiópia). Nos anos 60 e 0, o mundo testemunhou a erosão do antigo colonialismo, derrotado povos nativos africanos, seja pela viação da negociação pacífica, como Gâmbia, seja pela força das armas, como no caso das colônias portuguesas. Entretanto, engana-se quem pensa que este objetivo foi concluído nessa época. Há muitas partes de África que ainda sofrem opressão física da Europa. Pior que isso: sua população nem sequer vive mais em sua terra natal, porque foram todos deportados à força de lá. Refiro-me ao exílio forçado dos habitantes das ilhas Chagos, no Oceano índico, conhecidos como chagossianos. 
    Já ouviu falar sobre eles? eu também não, sempre pensei que fosse um arquipélago desabitado no meio do oceano. Mas, sempre que eu via aqueles pontinhos no mapa-múndi, que era minha maior diversão quando criança, eu estranhava que, de todas os arquipéĺagos daquele local da terra, o único que parecia desabitado era ele. Como se eu já pressentisse que havia qualquer coisa mal-explicada ali. Bom, então vamos aos fatos:
    Em 1793, a ilha de Diego García, uma das ilhas principais do arquipélago, começou a ser povoado por colonizadores franceses e, como todo bom colonizador, compraram africanos sequestrados de Moçambique, Madagascar, Maurício e outros países africanos como escravos, para fazerem todo o trabalho por eles. Após 1814, o arquipélago foi cedido ao Reino Unido. Após o fim da escravidão, estes escravos tornaram-se livres, e continuaram a habitar o arquipélago desde então.
    Então, em 1966, o governo britânico assinou um acordo com os E.U.A., permitindo a ele o uso destas ilhas como base militar, no contexto da famigerada Guerra Fria,. Como parte do acordo, o governo britânico se responsabilizou pela expulsão dos "tarzans", como Denis Greenhill, barão wright de Richmond, referiu-se aos nativos. E assim o fez, através de extremo terrorismo e pressão psicológica sobre os habitantes para que saíssem por todos os meios (método utilizado ainda hoje, por exemplo, sobre os habitantes da ilha de Fernando de Noronha, que sofrem continua pressão do governo brasileiro para saírem do arquipélago). Isso incluia a matança de todos os cães e gatos das ilhas e o desabastecimento premeditado de todas as lojas de comida da ilha, e ameaças de morte. Por fim, todos os chagossianos acabaram sendo deportados definitivamente das ilhas, deixando-as desabitadas. Alguns foram para as ilhas Maurício, outros para as Seycheles, hoje países independentes, onde vivem como cidadãos de segunda classe.
    Entretanto, os chagossianos, mesmo diante de tal situação, nunca desistiram, e continuam ainda hoje a reclamar o direito de retorno à sua terra natal. Esta resistência obteve alguns frutos: em 2006, o governo britânico permitiu uma visita de cerca de 100 chagossianos para a ilha, pela primeira vez em 30 anos. Ele também teve que enfrentar uma batalha legal contra os chagossianos, tendo respectivas derrotas, até 2010, quando o governo britânico, em uma manobra para impedir o retorno dos chagossianos, de acordo com documentos revelados pelo Wikileaks, transformou o arquipélago em área de proteção ambiental. Então, em 2013, a justiça reverteu a decisão anteriormente favorável aos chagossianos, alegando que esta manobra era concorde com as leis comunitárias da União Europeia. O golpe final veio em 2016, quando o Foreign Office, espécie de secretaria para assuntos estrangeiros, negou o direito de retorno aos chagossianos, muitos dos quais já velhos e morrendo, negando-lhes o último desejo de ver novamente sua terra natal. 
     Como se vê, o panafricanismo não perdeu seu sentido de ser nos anos 60 e 70, décadas em que a maioria dos países africanos conquistaram suas independências. A luta pelo fim da opressão colonial europeia em África ainda está viva, especialmente nas mentes dos deportados e seus descendentes ao redor do mundo que, assim como nós, pretos da América, desejam ter o direto de rever a terra de seus ancestrais livre de todo e qualquer domínio colonial e racista europeu.

               https://en.wikipedia.org/wiki/Chagossians
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