quarta-feira, 18 de outubro de 2017


RESENHA DO LIVRO "O IMBECIL COLETIVO", DE OLAVO DE CARVALHO

      O livro "o imbecil coletivo", do assim chamado "filósofo" Olavo de Carvalho, é um daqueles livros que falam nada com coisa alguma. Tudo que ele lhe entrega são duas mãos cheias de nada. Ele não é um texto propriamente filosófico; é apenas uma coletânea de artigos jornalísticos sobre coisas da ordem do dia da década de 90, alguns publicados por jornais muy amigos da linha de pensamento dele, como o Jornal do Brasil, outros tão sem noção que até mesmos estes jornais recusaram publicá-los, e outros que muito provavelmente o autor nem deve ter pensado em publicar, pois sabia que nem os parceiros mais íntimos dele, geralmente gente poderosa lá dentro, o aceitariam.
a linha geral do livro é bastante nítida: atacar o que ele chama de "imbecil coletivo", nas palavras do autor: "O imbecil coletivo não é, de fato, a mera soma de um certo número de imbecis individuais. É, ao contrário, uma coletividade de pessoas de inteligência normal ou mesmo superior que se reúnem movidas pelo desejo comum de imbecilizar-se umas às outras." (pg. 44). Traduzindo: os intelectuais deste país, de preferência os que trabalham em universidades. Na definição elástica dele, entra tanto Gerd Bornheim quanto Caetano Veloso. Para ele, os intelectuais brasileiros são todos um bando de imbecis que imbecilizam a todos. E, para o autor, isso acontece porque, durante a ditadura militar, supostamente a esquerda (ou o que ele chama de esquerda) teria dominado as escolas e universidades brasileiras, assim mesmo, numa boa, com toda a liberdade do mundo pra fazer o que quiser (repito, DURANTE A DITADURA, ele parece não notar, ou não querer notar, a contradição) e, através do comunismo (porque pra ele toda a esquerda é comunista) teria implantado na surdina, no melhor estilo teoria da conspiração, seus princípios esquerdistas, de maneira que o que ele chama de stablishment seria o responsável por emburrecer a si mesmo e aos outros. O autor traça um paralelo direto entre ideias "esquerdistas" e burrice. Ele chamará esta conspiração imaginária de "marxismo cultural" em outros livros, cuja raiz ele buscará na extrema-direita norte-americana (Ku Klux Klan e similares), que por sua vez vai pegar o conceito dos nazistas, que o chamavam "bolshevismo cultural", apenas mudando o primeiro nome pra não ficar tão feio.
      Esse é o tom geral do livro, como você pode imaginar, nada além de críticas infundadas, distorções grosseiras do pensamento de alguns alvos selecionados, como Leandro Konder e Marilena Chauí, tudo para ganhar ibope, promoção de teorias da conspiração infundadas como essa história de esquerda dominando universidades durante a ditadura, tudo regado a muita falácia, perfeito para enganar incaultos sem senso crítico suficiente para analisar os caminhos tortuosos de seu pensamento, o que é a descrição perfeita da playboyzada brasileira, fãs de carteirinha dele, e é por isso mesmo que ele faz tanto sucesso entre eles. No entanto, é possível tirar algum leite de pedra disso ai.
      No livro é fácil notar a base do pensamento conservador dele: ele crê em "valores permanentes", e que os intelectuais deveriam dar ao povo a cultura que, diferente da popular, ele chama de "cultura superior" (pg 155). Em outras palavras, ele não apenas acha que os valores sociais não mudam, portanto a sociedade também não muda, indo contra tudo que as ciências sociais vem estudando desde pelo menos o século XIX, como considera que a cultura não é criada pelo povo, e sim dada, ou seja: o povo nada mais é que um bando de idiotas sem cultura, já que esta só pode ser criada por homens superiores, coisa que apenas alguns iluminados, obviamente por uma "estranha" coincidência formada exclusivamente por homens, europeus e brancos e ocidentais, poderiam fazer (seja lá o que "ocidental" queira dizer, termo que, aliás, ele citará algumas vezes no livro como algo óbvio, pelo menos para pessoas inteligentes como ele, mesmo que, para as ciências sociais, o termo "ocidente", assim como seu par, "oriente", não tenha nada a ver com culturas "superiores" ou "inferiores" ). Nesse ponto, de fato, ele é fiel ao conservadorismo de Edmund Burke e restante chusma.
      Uma outra coisinha digna de menção, na verdade uma contradição: ele alega que uma nossos intelectuais vão a reboque do que ele chama de "modas" europeias e norte-americanas (como o pragmatismo de Richard Roty) pois, segundo ele, não deveríamos buscar aprovação da parte deles, no entanto, ele cita Mário Ferreira dos Santos como um dos principais filósofos do país, porque foi reconhecido por uma enciclopédia italiana (ele não cita o nome). Vai entender....
      O ataque dele é geral, e obviamente repetindo os mesmos argumentos infundados usados pela direita brasileira e norte-americana há anos. Um exemplo pode ser dado quando ele fala dos homossexuais, nas quais ele, utilizando de uma porção de falácias das mais descaradas, alega (pg 234 e seguintes) coisas como "O preconceito mesmo, por irracional e fanático que seja, não é discriminação, desde que não se expresse em atos agressivos". Ou seja, você tem todo o direito do mundo de excluir, xingar, insultar, só não pode agredir. Jênio.
      Outra minoria que não escapa somos nós, os negros. As coisinhas de sempre: racismo reverso: "Alguns demagogos e intelectuais de miolo mole acreditam que se deve conceder aos negros o direito a uma espécie de discriminação compensatória - um tipo de discriminação que, por artes lógicas misteriosas, fica isento da pecha de racista" (pg. 95), etnocentrismo europeu ("Mas, se isso implicar a aceitação do primado da cultura afro sobre a europeia, judaica e cristã na educação nacional - ou mesmo o seu nivelamento com elas [...] a verdade é que a contribuiçao cultural das religiões africanas ao mundo é perfeitamente dispensável") (pg. 92), e uma novidade: "já na década de 30 o Comintern instruía os militantes comunistas para que se aproximassem dos movimentos de minorias raciais e neles infiltrassem o discurso da luta de classes - programa que entre nós foi cumprido à risca pelo Dr. Florestan Fernandes, nisto consistindo o essencial de sua contribuição científica"), ou seja, o movimento negro foi invenção dos comunistas, não fruto da luta dos ancestrais, somos todos um bando de massa de manobra. E não poucos os militantes negros que creem nas ideias deste sujeito, isso que é preocupante.
      Mas a cereja do bolo está nas páginas 122 e seguintes: as causas da violência no Brasil nada tem a ver com razões históricas como a escravidão, o racismo, a desigualdade social. São apenas produto do enaltecimento do bandido pela nossa literatura, com autores como Nelson Rodrigues, Chico Buarque, Carlos Diegues etc. Ou seja, a violência existe por causa deles, e só por eles que o criaram e estimularam.O que ele não explica é porque antes desses autores "estimularem" a violência, a violência já existia, e de forma até maior do que hoje, desde o período colonial.
      O livro "O Imbecil Coletivo", portanto, é um daqueles livros cujo propósito do autor original era só tirar uns trocados, mais nada, muito embora seja bem estranho que, anteriormente sendo um simples astrólogo, do nada o autor tenha sido alçado à condição de mentor intelectual da direita brasileira e até cristã, sendo promovido por alguns dos maiores jornais e TVs do país, tudo isso em poucos anos. Haverá algo por trás dessa repentina transformação? Não sabemos. O que sei é que lerei mais dois livros dele, "A Nova Era e a Revolução Cultural", e "O Jardim das Aflições". Mesmo sendo um desperdício de neurônios, no atual cenário de fanatismo religioso e anti-intelectualismo promovido por ele e seus discípulos, que ganham cada vez mais terreno na política, é de fundamental importância conhecer mais o guru destes caras.
contador de visitas